Este conto foi escrito há uns dois anos para o aniversário de Karen Fabiane, uma amiga muito querida. Obviamente, eu não podia deixar de brincar com sua pequena estatura e sua garra de gigante. Um abraço de urso à Karencita, que de -ita não tem nada.
Stella Alves Baptista Oliveira
Karen Fabiane era uma plantadora de favas. Escolhera esta profissão por causa de seu tamanho: ela acreditava que com pernas tão pequenas seria muito mais fácil para ela tocar o chão do que o céu. Era pequena, mas tinha um enorme coração. Era uma verdadeira sonhadora. E no fundo, bem escondidinho, acreditava em contos de fadas. A ela lhe apetecia principalmente aquela história do tal João e seu pé de feijão mágico. Acreditava que os seus também eram: tão saborosos, tão macios... Cresciam tanto que pareciam mesmo! E ela os cultivava com todo o seu amor e carinho.
Morava em uma pequena cidade rural. Apesar dos poucos habitantes, Karen ficara bastante conhecida por seus feijões. Alguns diziam que ela até os abraçava antes de colocá-los na terra e por isso eram tão vistosos. Ela pensava que um dia, quem sabe, apareceriam aqueles grãos especiais que a fariam ter dinheiro suficiente para sair daquele lugar. Não porque não gostasse de suas favas, mas porque almejava mais.
A noite chegara. A pequena terminara suas tarefas para aquele dia, então foi para sua cama e dormiu.
E enquanto sonhava com uma vida diferente daquela, começou uma forte tempestade. Alguns raios caíram em sua plantação durante a noite e todos seus feijões começaram a murchar. Na manhã seguinte, ao acordar, olhou pela janela e viu que algo estava errado.
Rapidamente sua plantação se perdera. Bravejou, amaldiçoou os céus, sentou-se na terra e chorou.
O que faria agora sem sua plantação?
A época para plantar já se passara e ela precisaria de tempo para arar toda a terra, ter sorte para que caísse boa chuva, pois além de a terra ser muito dura, a chuva faria com que os grãos brotassem novamente. Mas antes teria que plantar milhos e depois as favas. Estava tão cansada. Pensava que esta poderia ser sua grande colheita. As lágrimas não paravam de rolar enquanto pensava no tanto que havia perdido. Então três gotas de suas lágrimas regaram uma porção mínima de terra donde brotou uma pequena vagem que foi recolhida rapidamente. Ela pensou: quem sabe não são esses os meus feijões da sorte!? Guardou-os consigo para não se esquecer de onde vinha onde quer que estivesse.
Porém, não havia mais nada que pudesse fazer naquela terra por enquanto. Resolveu partir, fazer uma viagem. De nada adiantaria ficar ali se lamentando. Então arrumou uma pequena bagagem e partiu em busca de não sei o quê em não sei onde.
Depois de uma longa caminhada - que se tornara mais longa para ela, pois precisava dar mais passos e caminhar mais rápido para cobrir a mesma distância que uma pessoa com pernas mais compridas -, parou para descansar embaixo de uma árvore, comeu 2 maçãs, guardou as sementes caso precisasse se defender de pessoas mal-intencionadas. “Faria uma torta de sementes de maçã... Mas onde a assaria?”, pensou. Desistiu da torta. Desistiu das sementes. Teve medo, já estava anoitecendo. Caminhou até uma pousada próxima, conseguiu um quarto, tomou um banho quente e fez o que sabia fazer de melhor depois de um dia cansativo: dormiu.
No dia seguinte, acordou, arrumou-se logo para prosseguir sua viagem em busca de...ainda não sabia, mas acreditava que encontraria todas as respostas que procurava. Karen se preparou com toda a sorte de comida que pôde encontrar na pousada, já que o café da manhã estava incluso na diária. Colocou tanta comida na mochila que mal conseguia carregá-la, mas prosseguiu igual a uma tartaruga com mantimentos armazenados em seu casco. Na verdade, nem sabia se tartarugas faziam isso, mas sabia que estaria munida de comida até o final da tarde.
Caminhou com dificuldade até a hora do almoço. Resolveu parar às 13h para comer um pouco daquele peso que estava em suas costas. Descansou o almoço. Prosseguiu uma hora depois. Caminhou até o anoitecer e chegou a uma cidade que parecia muito mais desenvolvida que aquela de onde vinha: tão bem iluminada, com tanto comércio: havia tantas lojas bonitas, diferentes restaurantes e barraquinhas de comida na praça da cidade. A praça, por sua vez estava lotada. Havia pessoas fazendo propaganda de diversos locais; um deles seria a pousada onde passaria a noite. Mas não iria para a pousada antes de devorar dois cachorros quentes com tudo que tinha de direito, afinal a caminhada esgotara seu estoque de comida. Por fim, seguiu exausta para a pousada indicada. Lá chegou, subiu para o quarto, tomou um banho quente e desmaiou na cama.
De manhã, ao acordar, apressou-se em sair da pousada para conhecer a cidade. Ficou extasiada com a quantidade de pessoas que já estavam nas ruas. “Será que é sempre assim?”, pensou. Parecia uma festa. Tantas coisas diferentes para ver. E de repente, algo extremamente veloz passou acima de sua cabeça.
Olhou para o céu, mas só viu o rastro deixado. Desejou nesse momento voar para deixar um rastro tão marcante como aquele. Seus olhos se encheram de paixão por algo novo. Pensou se era aquilo que tanto buscava. Ficou deslumbrada com a imagem. Fixou seus olhos e se pôs a pensar olhando o céu. Finalmente, encontrara algo que almejava há tanto tempo, mas que não sabia o que era. Desejava voar.
Comunicativa como era, conversou com algumas pessoas e logo descobriu quem pilotava aquele avião tão veloz. Após algumas informações, finalmente conseguiu alguma que a levasse ao rapidamente admirado aviador. Apressou-se em direção ao restaurante onde disseram que ele sempre ia após seus voos. Pensava em como iria reconhecê-lo. Mas não foi nada difícil, pois o piloto usava uma roupa característica. A surpresa é que, ao aproximar-se, não era um homem, mas sim uma mulher. Ficou ainda mais impressionada e entusiasmada. Então, Karen se aproximou e, sem vergonha alguma, começou a puxar assunto com ela.
- Olá, me chamo Karen. Eu vim atrás da senhora, me desculpe incomodá-la, mas eu nunca tinha visto algo tão lindo como o que vi hoje e preciso perguntar como faço para ser como a senhora? Essa é a profissão perfeita pra mim. Eu sempre desejei no mais profundo do meu coração tocar o céu. Eu vim de muito longe para descobrir realmente o que eu quero e acho que é isso.
A aviadora então respondeu:
- Não tem problema. Muito prazer, Karen, meu nome é Celeste. Olha, você parece ser uma menina muito determinada, mas não pode só parecer, você precisa ter essa determinação de verdade, porque as etapas que você precisará percorrer são muito longas e cansativas, além de custosas. Você realmente quer saber?
Karen respondeu imediatamente:
- Sim, mais do que tudo. Não importa quantas etapas sejam, eu vou lutar até conseguir. Por favor, me diga tudo o que preciso saber.
- Então, tudo bem. Você precisa ser avaliada fisicamente: fazer exames de sangue, psicotécnico e teste de esforço. Depois tem o curso teórico em que você vai aprender os regulamentos de tráfego aéreo, conhecimentos técnicos (motores à pistão), aerodinâmica e teoria de voo, meteorologia e navegação aérea. Isso leva uns 4 meses e depois você será avaliada pela banca da ANAC e você precisa ter aproveitamento mínimo de 70% para começar a fazer suas 40 horas de voo. Continuo?
- Sim. Mas... O que é ANAC?
- Ah, sim, Agência Nacional de Aviação Civil, é “ela” que te avaliará e dirá se você está apta para a profissão. Bem, quando você terminar o curso prático, já de posse do Certificado de Capacidade Técnica, após a aprovação da banca da ANAC, você estará apta a realizar o voo de check. Se aprovada nesse voo, você poderá pilotar aviões monomotores em condições visuais, mas ainda não pode exercer atividade remunerada com a aviação. Para trabalhar como piloto, você precisa do curso de piloto comercial e pra isso você tem que ter o certificado de avaliação física de 1ª classe e sua carteira de habilitação técnica de Piloto Privado. Depois, são mais 110 horas de voo... Enfim, não quero te assustar, mas é muita coisa, não estou te enganando. Se você deseja isso tanto assim, você vai precisar se esforçar, mas se eu consegui, você também consegue.
Karen então tomou um café com Celeste. Conversou um pouco sobre a vida, agradeceu as informações e se despediu.
Com tanta coisa embaralhada, mil coisas fervilhando na cabeça de Karen, ela começou a traçar planos para alcançar seu sonho recém-descoberto. Lembrou que sua vida não era um conto de fadas, apesar de parecer um pouco por causa dos últimos feijões que guardara consigo à espera de que algo mágico acontecesse. Nessa vida, todos têm que batalhar se querem realmente alcançar seus objetivos. Não podia simplesmente abandonar aquilo que fizera por tanto tempo, já que não sabia fazer tantas outras coisas.
Decidiu o que iria fazer então: trabalharia com afinco para juntar dinheiro para o curso de piloto de avião e para viver na outra cidade. Arou, plantou, regou, colheu. Arou, plantou, regou, colheu e isso se repetiu durante 5 anos. Até que enfim chegou o dia em que já havia juntado dinheiro
suficiente para se mudar.
Seguiu todas as etapas descritas pela aviadora naquele bendito dia em que sua vida ganhara novo rumo. Terminou o curso teórico, fez as 40 horas de voo, completou o curso de piloto privado. Conseguiu os certificados. Fez mais 110 horas para se formar em piloto comercial. Até que, enfim, se formou e a partir daquela data poderia exercer a profissão.
Desejou abraçar Celeste.
Lembrou-se de todos os momentos que a levaram àquele dia. Lembrou-se da tempestade que secou seus feijões e daqueles que, misteriosamente, cresceram com suas lágrimas. Percebeu neles a magia de retirá-la de onde morava para ir atrás de seu sonho. Agradeceu ao céu, pulou e chorou, desta vez de alegria. Enfim, poderia tocá-lo. Em terra, continuava pequena, mas, lá no alto, sentia-se gigante.
Como já dito, Karen Fabiane era uma plantadora de favas. Plantou tantas, que colheu sonhos.
Comentários
Já te disse, mas não custa reforçar: gosto muito dos seus escritos e, além disso, não deixe de compartilhar conosco a sua 'identidade em movimento', porque seus textos são maravilhosos!
Abraços de urso 🐻❤
Vou voltar a escrever. Pretendo escrever crônicas.