Pular para o conteúdo principal

D.H. Lawrence, mais obsceno que o imaginado

        Assistindo ao filme O Curioso Caso de Benjamin Button(2008), ouvi falar, em dada cena, sobre um escritor, um tal de D.H. Lawrence. Confesso que pensei ser um autor fictício criado para o filme. Ao pesquisar, vi que se tratava de David Herbert Lawrence (Nottingham, 11 de Setembro de 1885 — Vence, 2 de Março de 1930). Desde então tive enorme curiosidade sobre este autor britânico que teve alguns de seus livros proibidos no séc XX. Até que anos depois, término de 2012, foi-me presenteado por um amigo o livro O amante de Lady Chatterley (1928).
      De forma interessante, Lawrence traz o obsceno   no sentido contemporâneo da palavra, mas também em seu sentido original: aquilo que está fora da cena , para dentro de sua narrativa ao relatar o caso de amor entre uma burguesa, Constance, e um homem da classe trabalhadora, Mellors, ex-soldado que transitava entre o perfeito modo inglês de falar e portar-se e o dialeto da humilde aldeia de Tevershall. Esta relação extra-conjugal, nem um pouco ao acaso, de Lady Chatterley com um "plebeu muito bem entendido" (diferente das massas que são levadas pela "maré" das ideologias dominantes) retratada no livro, certamente, inquietou o poder, atingindo-o de forma tão profunda e certeira a ponto de censurar o livro. Nota-se que os livros de Lawrence não foram proibidos somente em razão de sua linguagem livre, mas em razão de suas críticas. Críticas essas que poderiam acordar uma massa entorpecida.
       A história começa no ano de 1917. Clifford retorna na guerra imobilizado da cintura para baixo, isso o impede de relacionar-se com sua esposa Constance. E por ser uma jovem muito voltada à sexualidade questão reprimida, silenciada entre as mulheres e, talvez por isso, também seja tratada no livro , acaba por se envolver com o guarda-caça de seu marido. Entretanto, com e apesar do sexo, o livro não se reduz somente a isso.
        Lawrence, através da fala das personagens, dá voz às críticas:

I) às companhias do carvão;

II) às massas ávidas do dinheiro e que se subordinam ao poderio.
       "Os moços (...) [estão] mortos também. Querem dinheiro. O dinheiro envenena os que possuem e esfaima os que não o possuem" (p.299);

"a grande massa não pensa, é incapaz de pensar" (p.282)

" As massas sempre foram governadas, desde o começo das idades; e terão hoje de ser governadas até o fim das idades. Não passa de brincadeira hipócrita dizer que elas podem governar-se a si mesmas" disse Clifford à sua esposa. (p.189);

III) ao lugar do poder (classes dominantes)

"A aristocracia é uma função, uma injunção do destino. E a massa é o funcionamento de outra parte do destino. O indivíduo não conta. Só conta a função para a qual somos educados ou adaptados. Não são os indivíduos que formam a aristocracia, mas o funcionamento do todo aristocrático. E é o funcionamento da massa tomada em seu todo que faz o homem plebeu ser o que é. (...) creio que há um abismo entre as classes dirigentes e as dirigidas. São duas funções opostas, e é a função que determina o indivíduo." (p.190)
Dessa forma, não é o indivíduo que escolhe, mas sim é escolhido para dominar ou ser dominado;

"- (...) dar o que temos significa conservar a pobreza do pobre e empobrecer-nos a nós também. E a pobreza universal não é o desejável - nada tem de interessante. A pobreza é feia.
- Mas e a desigualdade?
- Destino. Por que Júpiter é maior que Netuno? Impossível mudar a estrutura das coisas." (p.187)

E não é nisso que nos fazem acreditar!?;


IV) à decadência humana, os valores sociais corrompidos, a ambição, a maldade.
 "A maldade das gentes mata o próprio ar." (p.108)
"Maus tempos se aproximam, meus rapazes, maus tempos vêm vindo. Se as coisas continuarem assim, só teremos no futuro destruição e morte entre as massas industriais." (p.299)

Assim, Lawrence aborda em seu livro o sexo através do adultério, a sexualidade feminina, a questão massa x burguesia, a decadência da sociedade inglesa de sua época, entre outros assuntos trazidos aqui. O que restou, em verdade, foi a esperança, ou melhor, a necessidade de (sobre)viver não importando as circunstâncias.

 "Vivemos numa idade essencialmente trágica, por isso nos recusamos a vivê-la como tal. O grande desastre aconteceu e achamo-nos entre ruínas, forçados a reconstruir novos habitats, a criar de novo pequeninas esperanças.Trabalho bastante duro. Já não há caminhos fáceis à nossa frente; temos de contornar, pular por cima deles - e isso porque temos de viver, seja lá qual for a extensão do desastre havido". (p.27)       


Referência
LAWRENCE, D.H. O amante de Lady Chatterley/ D. H. Lawrence; trad. Jorge Luís Penha. São Paulo: Martin Claret, 2006. (Coleção a obra-prima de cada autor, 217).

Comentários

Karen de Carvalho disse…
Gostei muito do seu texto Stella. Um dia pretendo ler o livro. Obrigada por (com)partilhar comigo ^^
- Um mega abraço de Karen Fabiane.

Postagens mais visitadas deste blog

Como águia estenderá as suas asas... Experiências no Moriá

Sugestão de áudio para esta leitura  aqui . E enquanto você escuta, a gente conversa por aqui... Não sei como descrever os meus últimos três dias (29, 30, 31/08). Foram dias sobrenaturais, de muito descanso e de um renovo emocional e espiritual tremendo. Preciso escrever algumas experiências aqui porque quero sempre revisitar esse texto. Grandes coisas o Senhor fez por [mim], por isso [estou alegre]. (Salmos 126:3) Desde maio deste ano, muitos problemas aconteceram aqui em casa. Começou com uma caixa de vaso sanitário quebrada e meu banheiro inundado, mas não parou por aí: no mesmo dia, indo comprar o vaso, o carro começou a apresentar problemas, não desenvolvia na estrada... Depois foi a vez da moto, o portão, a caixa d'agua, consertamos o carro e ele deu problema de novo, a moto, troca peça daqui, troca peça dali... Olha, foi tanta coisa que a gente não aguentava mais. E isso tudo começou após uma devolução de um dízimo que fiz ao Senhor. Coincidência: Acho que não, creio que est...

SETEMBRO: Karen Fabiane, a plantadora de favas

Este conto foi escrito há uns dois anos para o aniversário de Karen Fabiane, uma amiga muito querida. Obviamente, eu não podia deixar de brincar com sua pequena estatura e sua garra de gigante. Um abraço de urso à Karencita, que de -ita não tem nada.   Stella Alves Baptista Oliveira Karen Fabiane era uma plantadora de favas. Escolhera esta profissão por causa de seu tamanho: ela acreditava que com pernas tão pequenas seria muito mais fácil para ela tocar o chão do que o céu. Era pequena, mas tinha um enorme coração. Era uma verdadeira sonhadora. E no fundo, bem escondidinho, acreditava em contos de fadas. A ela lhe apetecia principalmente aquela história do tal João e seu pé de feijão mágico. Acreditava que os seus também eram: tão saborosos, tão macios... Cresciam tanto que pareciam mesmo! E ela os cultivava com todo o seu amor e carinho. Morava em uma pequena cidade rural. Apesar dos poucos habitantes, Karen ficara bastante conhecida por seus feijões. Alguns dizia...

Situações contrangedoras no ônibus

Texto de 2012 (editado). Permanece atual.  Não preciso dizer sobre o uso de celulares com som alto de funk; metal pesado, gospel; sertanejo universitário..., porque disso todo mundo já sabe, então vamos ao que interessa. Situação número: #1: ficar de bundinha com alguém Aquela situação em que não há mais espaço e fica roçando bundinha com a pessoa atrás de você, se é com homem, ainda fica pensando se o cara está analisando a textura, maciez da sua bunda através da dele... #2: ser a "escolhida" Quando o ônibus está cheio, você está de bundinha com uma outra mulher e um cara precisa passar, aí surge a situação "roçar em quem", em que você torce para não ser a "escolhida", mas deseja que ele também não sarre na outra mulher porque ninguém merece isso.  #3: situação Órgão sexual/ sovaco versus face Você está sentado (a) e de repente o cara para ao lado do seu banco e bota o bimbo na sua cara ou levanta aquele sovacão hiper ultra mega cati...